As diferentes formas de resistência culturais dos africanos escravizados - MAPA

RESISTÊNCIA CULTURAL

OBJETIVOS:

Identifcar a resistência dos(as) negros(as) à escravidão. Compreender as formas culturais e a readaptação à resistência. Reconhecer as diferenças culturais e associá-las às diferentes regiões de procedência dos(as) negros(as). 

Escravização
Antiga

Servidão Medieval

Escravização na África

Escravização na América

• Prisioneiros(as)
de Guerra.
• Escravização por
dívida.
• Filho(a) de
escravizado(a).
• Não era definido
pela sua etnia.

• Trabalho
compulsório
ligado à terra.
• O(A)
trabalhador(a) 
não é considerado(a)
como uma “coisa” e, portanto, não pode ser 
vendido.

• Motivada pela
guerra.
• Escravizado não
era figura central
do sistema de
produção.
• Não era definido
pela sua etnia.
• Muitas vezes era
incorporado(a)
à família ou
vendido(a).

• Venda de
larga escala
que estrutura
o sistema de
produção.
• A Igreja Católica
atuou na legitimação da escravização.
• Escravizado(a)
era determinado(a)
pela sua etnia.

.



1 - A Congada: celebração, devoção e resiliência na luta contra a escravização
  • A Congada, manifestação cultural e religiosa profundamente enraizada na cultura afrobrasileira, é um poderoso testemunho da resistência à escravização no Brasil. 
  • Longe de ser apenas uma festa folclórica, a Congada emerge como um espaço de recriação de laços comunitários, de preservação de memórias africanas e de afirmação de uma identidade que a escravidão tentou apagar. 
  • Por trás dos tambores, cantos e danças, reside uma história de luta e resiliência que ecoa desde o período colonial até os dias atuais. 
  • Nascida da fusão de tradições religiosas africanas com elementos do catolicismo popular, a Congada, também conhecida como Reinado ou Reisado, permitia aos africanos e seus descendentes expressar sua fé e sua ancestralidade de forma velada. 
  • A eleição de "reis" e "rainhas" do Congo, do Rosário ou de outras nações africanas dentro das festividades da Congada não era apenas uma encenação; era uma forma de reafirmar hierarquias e lideranças, de manter viva a memória de reinos africanos e de simular uma autonomia que lhes era negada na vida cotidiana. 
  • Essa encenação da realeza africana, muitas vezes acompanhada de cortejos e representações de batalhas, servia como uma válvula de escape e um meio de subverter, simbolicamente, a ordem escravista. 
  • A Congada era, em essência, um ato político disfarçado de religiosidade. Através dela, os escravizados e libertos mantinham vivas suas tradições musicais, coreográfcas e religiosas, transmitindo-as de geração em geração. 
  • Os cantos, frequentemente em línguas africanas, e os ritmos dos tambores carregavam mensagens cifradas de dor, esperança e resistência. 
  • Era um momento de união, de fortalecimento de laços e de celebração da própria existência, desafando a desumanização imposta pelo sistema. Assim, a Congada permanece não só como uma rica expressão cultural, mas como um poderoso símbolo da persistência da cultura africana e da indomável busca pela liberdade no Brasil.
Fonte:Adaptado de Dias, 1984



Reinado de Chico Rei

.Chico Rei é uma figura lendária da tradição oral de Ouro Preto, MG, que teria sido o rei congolês Galanga. Chegou ao Brasil como escravo noséculo XVIII, foi rebatizado de Francisco e levado para trabalhar em uma mina de ouro chamada Encardideira. Segundo a história, ele usou sua astúcia para enriquecer, comprar a própria liberdade e a de seu filho, adquirir a mina e depois libertar centenas de outros escravizados. Ele também é creditado por fundar a Irmandade de Santa Efigênia e construir a igreja do mesmo nome, em 1785, como um símbolo de resistência e unidade
A jornada de Chico Rei
  • Origem africana: Chico Rei era originalmente chamado Galanga, um rei do Congo, na África.
  • Chegada ao Brasil: Foi trazido à força para o Brasil em 1740, perdendo a esposa e a filha na viagem.
  • Trabalho em Ouro Preto: Chegou ao Rio de Janeiro e foi levado para Vila Rica (atual Ouro Preto), onde foi escravizado na Mina da Encardideira.
  • Conquista da liberdade: Usando pepitas de ouro escondidas no cabelo, ele conseguiu comprar a alforria de si mesmo e de seu filho, Muzinga.
  • Ascensão social: Com sua crescente fortuna, comprou a Mina da Encardideira e a rebatizou com seu nome, tornando-se um respeitado "rei" negro.
  • Liberdade para outros: Usou seus recursos para comprar a liberdade de outros escravos, muitos deles de seu antigo reino no Congo.
  • Construção da igreja: Juntou recursos com outros negros para construir a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e Santa Efigênia, um centro de sua comunidade. 












Cantigas sobre a escravidão 








2. Irmandades do Rosário dos Homens Pretos.

  • Irmandades do Rosário dos Homens Pretos: fé, solidariedade e resistência à escravização. 
  • A resistência à escravização no Brasil não se limitou a fugas e revoltas armadas; ela se manifestou também em espaços aparentemente mais pacífcos, como as Irmandades do Rosário dos Homens Pretos. Fundadas e mantidas por africanos e seus descendentes, essas associações religiosas católicas foram, na verdade, centros vitais de solidariedade, organização social e preservação cultural, atuando como focos de resistência dentro de um sistema opressor. Longe de serem meras congregações devotas, elas representaram uma estratégia engenhosa para a autonomia e a dignidade de um povo em cativeiro.
  • As Irmandades do Rosário surgiram no período colonial, frequentemente toleradas pelas autoridades e pela Igreja por sua função religiosa, mas rapidamente foram cooptadas pelos próprios escravizados e libertos para servir a propósitos mais amplos. 
  • Elas funcionavam como redes de apoio mútuo, oferecendo auxílio em momentos de doença, morte e, crucialmente, na compra de cartas de alforria para seus membros. 
  • O dinheiro arrecadado nas festas, esmolas e contribuições era meticulosamente administrado para libertar irmãos e irmãs do cativeiro, transformando a fé em um instrumento concreto de liberdade. 
  • Esse aspecto fnanceiro e assistencial revela a capacidade de auto-organização e a resiliência dessas comunidades em meio à adversidade. 
  • Nelas, era possível manter e recriar festas, rituais e expressões culturais que remetiam às suas origens, adaptando-as ao contexto católico. 
  • As eleições de reis e rainhas do Rosário, por exemplo, embora ligadas à devoção mariana, eram uma forma de recriar hierarquias sociais e lideranças que a escravidão tentava apagar. Assim, as Irmandades do Rosário dos Homens Pretos não foram apenas associações religiosas, mas verdadeiras instituições de resistência cultural e social, onde a devoção servia de véu para uma luta incessante pela liberdade e pela preservação da humanidade em meio à desumanização escravista.
Fonte: Adaptado de Soares, 2000


IGREJA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS




3. Os quilombos: fortalezas da resistência e liberdade negra no Brasil

  • Os quilombos representam o mais potente e emblemático símbolo da resistência à escravização no Brasil. 
  • Mais do que meros refúgios para escravizados fugidos, essas comunidades foram verdadeiras fortalezas de autonomia e liberdade, onde africanos e seus descendentes puderam recriar suas vidas, culturas e modos de organização social longe da opressão colonial. 
  • A própria existência de um quilombo era um ato de desafo ao sistema escravista, personifcando a recusa em aceitar a desumanização e a busca incessante por uma vida digna. 
  • A formação dos quilombos envolvia uma complexa rede de estratégias, desde a fuga individual ou em massa até a organização militar para a autodefesa. 
  • Nesses espaços, a vida era regida por princípios de coletividade e reciprocidade, em contraste direto com a exploração individualista das fazendas escravistas. 
  • A agricultura de subsistência, a caça, a pesca e a coleta garantiam a autonomia econômica, enquanto a manutenção de línguas, religiões e costumes africanos fortalecia a identidade cultural. Líderes como Zumbi dos Palmares, que se tornou um ícone da luta pela liberdade, emergiram dessasvcomunidades, organizando a defesa e a expansão dos quilombos contra as constantesvexpedições repressivas. 
  • Os quilombos representaram verdadeiros projetos de sociedade livre, onde a autoorganização e a capacidade de enfrentar o poder colonial demonstravam a agência e a resiliência dos povos escravizados. 
  • A luta pela terra e pelo reconhecimento dos territórios quilombolas na atualidade é uma continuidade direta dessa resistência histórica, mantendo vivo o legado de luta e a busca por justiça social e racial iniciados há séculos.
3.1. O Quilombo dos Palmares: símbolo da resistência insubmissa à escravização

  • O Quilombo dos Palmares representa, sem dúvida, o mais grandioso e duradouro símbolo da resistência à escravização no Brasil colonial. Formado por volta do fnal do século XVI na região da Serra da Barriga, onde hoje se localiza o estado de Alagoas, Palmares não foi apenas um refúgio de escravizados fugidos, mas uma verdadeira confederação de mocambos que se organizou política, econômica e militarmente para desafiar a ordem escravocrata imposta pela Coroa Portuguesa e, mais tarde, pelos holandeses. 
  • A sua existência, que se estendeu por quase um século, é um testemunho da capacidade de organização e da incansável busca por liberdade dos povos africanos e seus descendentes. 
  • A vida em Palmares era um contraponto radical ao sistema colonial. Enquanto nas senzalas imperava a violência e a desumanização, no quilombo se praticava a autogestão, a coletividade na produção e a defesa armada contra as constantes investidas coloniais. Lideranças como Ganga Zumba e, posteriormente, Zumbi dos Palmares, emergiram como figuras centrais dessa resistência, personifcando a recusa em aceitar a escravização e a determinação em construir uma sociedade livre e autônoma. 
  • O Quilombo dos Palmares não era homogêneo; abrigava não apenas africanos de diversas etnias, mas também indígenas e brancos pobres, unindo diferentes grupos em torno de um objetivo comum: a liberdade. 
  • A resiliência de Palmares diante de dezenas de expedições militares, tanto portuguesas quanto holandesas, evidencia a complexidade de sua organização e a força de sua resistência. O fim do quilombo, em 1694, com a subsequente morte de Zumbi em 1695, não signifcou o fim da luta, mas sim a consolidação de Palmares como um mito e uma inspiração para as futuras gerações de brasileiros que lutaram e ainda lutam por justiça social e racial. 
  • A memória de Palmares ecoa até hoje, reforçando a importância de reconhecer a resistência à escravização como um pilar fundamental na formação da identidade brasileira.
Fonte: Adaptado de Carneiro, 1966




4. A Capoeira: dança, luta e resistência no "ABC da Capoeira”

  • A capoeira é muito mais do que uma arte marcial ou uma manifestação cultural brasileira; ela é um testamento vivo da resistência à escravização e um veículo de memória e identidade para os descendentes de africanos no Brasil. Nascida e desenvolvida no contexto da escravização, a capoeira funcionou como uma ferramenta multifacetada de defesa, expressão cultural e subversão, elementos que são brilhantemente explorados em obras como "O ABC da Capoeira" (1981). 
  • A escravização impôs uma série de proibições e restrições aos corpos e às vidas dos cativos. A prática de qualquer forma de combate ou manifestação cultural africana era severamente punida, pois representava uma ameaça potencial à ordem estabelecida. Contudo, os africanos e seus descendentes encontraram na capoeira um engenhoso meio de burlar essa vigilância. 
  • Disfarçada de dança, com movimentos fluidos e ritmados pela música e pelo canto, a capoeira permitia aos escravizados treinar golpes, aprimorar a agilidade e desenvolver estratégias de luta sem levantar suspeitas diretas. 
  • Essa ambiguidade entre dança e luta é a essência da resistência camuflada da capoeira, tornando-a uma arma secreta no processo de afrmação da dignidade e da liberdade. Mestre Pastinha, uma das fguras mais emblemáticas da capoeira angola e autor de "O ABC da Capoeira" (1981), não só codifcou e transmitiu os fundamentos dessa arte, mas também a elevou ao status de filosofa de vida e patrimônio cultural. 
  • Em sua obra, Pastinha ressalta a ancestralidade africana da capoeira, sua relação intrínseca com a malícia e a astúcia, qualidades essenciais para a sobrevivência e a resistência no ambiente opressor da escravização. 
  • Ele enfatiza que a capoeira era um meio de defesa pessoal, mas também um espaço de expressão da negritude, de manutenção de laços comunitários e de transmissão de valores. Para os escravizados, a roda de capoeira era um microcosmo de liberdade, onde podiam reverter, por alguns instantes, a hierarquia social e sentir-se donos de seus corpos e de suas vontades. 
  • A capoeira, portanto, não é apenas um conjunto de movimentos, mas um repositório de histórias de resistência, de superação e de uma busca incessante por autonomia que ecoa desde os tempos coloniais até os dias atuais.
Fonte: Adaptado de Pastinha,1981



5. Mulheres guerreiras na luta contra a escravização
  • A história da resistência à escravização no Brasil é rica e multifacetada, e nela, a participação das mulheres guerreiras é um capítulo fundamental, embora muitas vezes subestimado e pouco documentado. 
  • Longe de serem meras coadjuvantes, as mulheres africanas e afro-brasileiras desempenharam papéis centrais em todas as esferas da luta pela liberdade, desde a organização de fugas e a formação de quilombos até a liderança de levantes e a manutenção de culturas e tradições que desafavam o sistema escravista. 
  • A análise de suas ações revela uma resiliência e uma coragem que precisam ser devidamente reconhecidas e celebradas, como apontam estudos que buscam resgatar essas narrativas. 
  • No cotidiano das senzalas e nos espaços de trabalho forçado, as mulheres exerciam uma resistência silenciosa, mas potente. 
  • Elas eram responsáveis pela transmissão de conhecimentos ancestrais, pela manutenção da língua e das práticas religiosas africanas, e pela formação de redes de apoio que fortaleciam os laços comunitários entre os cativos. 
  • Essas ações eram cruciais para a preservação da identidade cultural e da dignidade humana em um ambiente que buscava aniquilá-las. 
  • Além disso, as mulheres estiveram na linha de frente em atos de resistência mais explícitos: participaram de revoltas, planejaram e executaram fugas, e foram figuras-chave na fundação e na manutenção de quilombos. 
  • A figura de Tereza de Benguela, líder do Quilombo de Quariterê, em Mato Grosso, é um exemplo notório de uma mulher guerreira que organizou seu povo, liderou a defesa do quilombo e se tornou um símbolo de resistência e autonomia feminina. 
  • A historiadora Célia Maria Marinho de Azevedo, em sua obra "Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites - Século XIX" (1987), nos ajuda a entender como a percepção e o controle sobre os corpos e as vidas das mulheres negras eram centrais para a manutenção da ordem escravista, e, inversamente, como a resistência dessas mulheres desafava diretamente essa estrutura de poder. 
  • A luta das mulheres guerreiras não se restringiu apenas ao campo físico; ela foi também uma batalha pela afirmação de sua humanidade, pela proteção de seus flhos e pela construção de um futuro de liberdade. Suas histórias, muitas vezes transmitidas oralmente e recontadas em estudos mais recentes, são essenciais para uma compreensão completa da magnitude da resistência à escravização e do legado de luta que as mulheres negras deixaram para as gerações futuras.
Fonte: Adaptado de Azevedo, 1987.

































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