Por mais de 300 anos, a riqueza produzida no Brasil foi fruto da exploração do trabalho de homens e mulheres escravizados. Foram os africanos escravizados e seus descendentes que plantaram, colheram e processaram a cana-de-açúcar, o algodão, o café e outros produtos das grandes lavouras de exportação. Foram os africanos escravizados que trabalharam na mineração de ouro e diamantes nos “sertões”, assim como tocaram as grandes criações de gado, a produção do charque e a indústria da pesca das baleias, no Sul do país. Para além das grandes propriedades exportadoras, o uso do trabalho escravizado fez-se presente nas lavouras de subsistência e culturas voltadas ao mercado interno.

Estudos mostram que, até a proibição definitiva do tráfico, em 1850, a posse de escravizados esteve bastante disseminada na sociedade brasileira. Até aquele momento, a maioria dos escravizados encontrava-se sob a autoridade de pequenos proprietários, que, via de regra, dispunham de um a três cativos. Eram eles: pequenos agricultores e meeiros, funcionários públicos, militares, padres, profssionais liberais, pequenos comerciantes e negros libertos, sujeitos aos quais quase todas as outras formas de propriedades eram proibidas. Nas cidades, a mão de obra escravizada foi mobilizada nos mais diversos setores, sobretudo aqueles considerados trabalhos mais pesados ou degradantes.
Assim, o trabalho escravizado foi empregado na construção civil, nos serviços domésticos, no transporte de resíduos, bens e pessoas, além de em fábricas e comércios.
A escravização urbana no Brasil desenvolveu peculiaridades, como a presença dos chamados escravizados de 1 - aluguel e dos 2 - escravizados de ganho.
1 - Os primeiros eram cativos que eram alugados pelos seus senhores a terceiros.
2 - Já os segundos tinham relativa autonomia de trabalhar e até morar longe do domínio de seus senhores, desde que lhes pagassem determinada quantia de seus ganhos.
outros como:
Escravo de ganho: eram aqueles que viviam no meio urbano com seus
senhores e trabalhavam vendendo algo ou prestando serviços; seus ganhos eram
destinados aos seus senhores;
• Escravos da casa grande/domésticos: eram os escravizados que
trabalhavam diretamente na Casa Grande prestando serviços diretos ao senhor e
sua família;
• Escravo de campo: trabalham nas plantações e em atividades
complementares a ela;
• Escravo mina: eram empregados na atividade mineradora, por possuírem
conhecimentos específicos sobre mineração;
• Escravo de aluguel: escravizados que os senhores alugavam para outros,
normalmente como uma forma de aumentar a sua arrecadação.
A sociedade brasileira não era apenas aquela que usava o trabalho escravizado , mas sim uma sociedade escravista. Ou seja, uma sociedade na qual a escravização e a manutenção de sua ordem eram o eixo em torno do qual se organizavam todas as relações sociais, para além das econômicas.
Do ponto de vista jurídico, tratava-se de uma sociedade em que legalmente as pessoas poderiam ser compradas e vendidas. Contudo, para que tal abstração jurídica pudesse ser aplicada no mundo real, era necessária a existência de uma ideologia que a legitimasse.
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Uma sociedade escravista fundamenta-se em uma construção ideológica segundo a qual a escravização é a ordem natural das coisas. Nessa perspectiva, o cativeiro de um escravizado não tinha como fronteiras as portas das fazendas ou o limite de qualquer propriedade senhorial. Seu cativeiro era a própria sociedade escravista como um todo, seus valores, as formas de ser e estar no mundo, que compunham o que os historiadores João José Reis e Eduardo Silva chamaram de paradigma colonial.
escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 66-67
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Texto 2 - Negociação e revolta: a resistência dos escravizados
Assim como a dominação dos senhores não se deu unicamente pelo uso da força, a resistência dos escravizados não ocorreu somente pelo uso da violência, individual ou coletiva. Fugas, revoltas, organização de quilombos e a violência contra senhores e feitores caminharam lado a lado com táticas pacífcas, pequenos atos de desobediência, manipulações e negociações cotidianas em busca de maior autonomia cultural, religiosa e econômica.
REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 7
Negociação e conflitos não foram práticas antagônicas, mas sim ferramentas de lutas complementares dentre um repertório de estratégias dos escravizados. Fugir era difícil, perigoso e demandava a articulação de uma grande rede de apoio, o que não era acessível a todos. Estudos relatam que a maioria dos escravizados que se evadiu do cativeiro eram “ladinos”, como eram chamados os escravizados nascidos no Brasil ou já adaptados à cultura e às relações locais.
Já os “boçais”, africanos recém-chegados, sem boa compreensão da língua, dos costumes e de modos de acordos locais, compuseram a maioria entre os que participaram de revoltas abertas e outras formas de violência contra senhores. No entanto, ainda que larga parcela dos escravizados não tenha fugido ou participado de revoltas abertas, o medo que tais episódios impunham sobre os senhores criava o espaço para a negociação que essa maioria explorou para obter conquistas.
Quebras de acordo e compromissos frmados em torno dessas conquistas foram as principais motivações para fugas, revoltas e episódios de violência contra os senhores. Castigos e trabalhos excessivos, pouco ou nenhum tempo para lazer, separação familiar, impossibilidade ou retirada do direito à própria roça foram os fatores que mais motivaram as ações de rebeldia ou violência, além da busca pela liberdade em si.
O direito de constituir e manter suas famílias foi uma das principais demandas dos escravizados durante toda a duração da escravização brasileira. Além do suporte afetivo, o ambiente familiar poderia viabilizar a recuperação de valores e práticas culturais de matrizes africanas. Enquanto unidade familiar, os cativos tinham mais chance de acessar diferentes recursos e estratégias de sobrevivência e liberdade.
As famílias escravizadas tinham mais oportunidades de conseguir sair das senzalas coletivas para pequenos barracos individuais, assim como conquistar pequenas roças nas terras senhoriais. Em razão desse limitado acesso à terra, era possível a produção de alimentos para consumo próprio, e também para venda, gerando uma pequena renda. Com esse dinheiro, os escravizados elaboraram projetos de liberdade por meio da compra de alforrias de um ou mais membros da família.
Assim como em outras experiências de escravização nas Américas, no Brasil colonial a condição legal do flho era definida pela da mãe. Logo, se a mãe fosse escravizada, seu flho nasceria escravizado, mesmo que seu pai fosse livre. Da mesma forma, se a mãe fosse livre, seu flho nasceria livre, mesmo que seu pai fosse escravizado. Em vista disso, uma estratégia muito comum entre os cativos brasileiros foi a articulação de toda sua rede de parentesco e solidariedade em torno da compra da liberdade das mulheres, de modo a garantir a liberdade das gerações seguintes. Esses esforços poderiam mobilizar os recursos de várias famílias cativas e as economias de parentes e amigos libertos em prol da libertação
de uma única escravizada.
Fugas, revoltas e quilombos
Quando a negociação não surtia frutos ou nem chegava a acontecer, entravam em cena as estratégias de ruptura com a lógica escravista, quais sejam: as fugas, a constituição de quilombos e os episódios de violência, individual e localizada, como assassinato de senhores e feitores ou as grandes revoltas. Em todos os casos, a principal motivação residia na quebra de acordos preestabelecidos.
Fugas
As fugas foram a maneira mais comum de rebeldia escravizada. A existência de quilombos e as insurreições pressupunham a ocorrência de fugas individuais ou coletivas. Contudo, nem todas as fugas foram iguais. Os historiadores Eduardo Silva e João José Reis propuseram a divisão dos episódios de fugas em dois grandes grupos: as fugas-reivindicatórias e as fugasrompimentos.
- Fugas-reivindicatórias: não pretendiam uma ruptura radical com a lógica escravista.
Foram episódios nos quais escravizados se evadiram por alguns dias e retornaram por conta própria, como forma de pressionar os senhores por melhores condições de trabalho, moradia ou lazer.
- Fugas-rompimentos: visavam à liberdade, à ruptura com a condição do cativeiro.
Em geral, tais episódios foram respostas à quebra daquilo que acordavam como dominação aceitável. Os castigos físicos excessivos e a separação de famílias pela venda foram os dois principais pontos que rompiam a noção do que era aceitável e impulsionavam escravizados na busca da liberdade individual ou coletiva.
Fonte: AMPLIA, 2024
Texto 3 - Revoltas
A exploração não se deu sem luta, tanto por parte dos nativos americanos quanto por parte dos escravizados africanos. Apesar do apagamento histórico do processo de resistência desses povos durante todo o Brasil colonial, falar sobre isso é permitir que seus descendentes reconstruam uma história que não está vinculada apenas à exploração dos corpos dos seus antepassados, e sim a um processo de luta constante, pela qual esses grupos se propuseram ao longo de quase quatrocentos anos de colonização.
As revoltas foram os episódios radicais de ruptura com a lógica escravista e, por consequência, os mais duramente reprimidos. As revoltas acabavam de maneira trágica para os escravizados insurgentes, os quais tinham a sociedade escravista como todo o seu opositor. Entretanto, a eficiência dessas revoltas não pode ser avaliada somente pelo seu sucesso ou fracasso pontual.
A iminência de revoltas ou ameaças de revoltas foi o grande pavor do período escravista, principalmente nas zonas mais ativas economicamente, como as regiões agroexportadoras, mineradoras e portuárias, onde a concentração de negros era maior do que a de brancos. O medo gerado por esses episódios alargou, como explicamos, as margens de negociação para todos os escravizados.
Mas a própria possibilidade de rebelião – bem como de fugas e quilombos –funcionava como um limite aos excessos de tirania senhorial. Pode-se dizer, sem pieguismo, que o sacrifício dos rebeldes não foi em vão, pois os que não entravam nos levantes, e mesmo os levantados cujas vidas os senhores poupavam para evitar prejuízo, podiam passar a manipular o medo senhorial de nova rebelião.
Fonte: REIS, 1999.
Texto 4 - Quilombos
Os quilombos ou mocambos foram comunidades independentes formadas majoritariamente por escravizados fugidos. Porém, além destes, esses agrupamentos abrigaram indígenas e outros tipos de fugitivos da justiça, e brancos pobres. Essas comunidades sustentaram-se por meio da agricultura, pecuária, caça e pesca, assim como do artesanato.
Os quilombos frmaram relações diversas com a sociedade, variando desde o enfrentamento pelo suporte a fugas de escravizados e assaltos a fazendas até o estabelecimento de vínculos comerciais com centros urbanos próximos.
O maior e mais duradouro quilombo da história do Brasil foi o Quilombo dos Palmares. Constituído por várias pequenas comunidades localizadas na Serra da Barriga, no atual estado de Alagoas, estima-se que Palmares tenha abrigado mais de 20 mil escravizados fugidos.
O povoamento resistiu a diversas expedições militares no decorrer de quase 100 anos de existência, até ser dizimado pela expedição de Domingos Jorge Velho, em 1694.
Sua liderança mais conhecida foi Zumbi dos Palmares, que foi capturado e morto um ano depois da queda do agrupamento. Ícone da luta dos negros contra a escravização, a data de sua morte, 20 de novembro de 1695, foi adotada como o Dia Nacional da Consciência Negra.
Como os quilombos abrigavam escravizados foragidos, eles eram pensados para serem de difícil acesso. Muitas vezes, fcavam em serras, florestas, lugares que bandeirantes teriam difculdades de chegar e que, quando estivessem perto, poderiam ser avistados e a comunidade avisada.
Alguns quilombos, como Palmares, eram compostos por várias comunidades, distribuídas em aldeias conectadas por caminhos em meio à mata. Era comum também que, para a defesa, fossem erguidas muralhas e que poucas pessoas conhecessem as vias de acesso.